quarta-feira, 17 de março de 2010

Do Estado minimal à consciência asséptica

Um dos vectores que define um Estado de coisas num determinado momento histórico é a relação que se estabelece entre o poder (enquanto detentor do monopólio do exercício da violência, real ou simbólica) e a sociedade, enquanto conjunto de forças que partilham um sentimento de pertença a uma determinada comunidade. Assumindo que esse poder não pode viver única e exclusivamente pela repressão, no sentido da sua pretensão à perpetuação no poder da oligarquia que o domina, afigura-se necessário criar um certo “way of life” que sirva de escatologia aos cidadãos. Em tempos, essa função foi assumida pela propaganda, mormente com os Estado totalitários, mas os tempos são de democracia, e as forças que actualmente configuram um conjunto altamente complexo.
Porém, e desta feita apelando um pouco à imaginação do leitor, podemos idealizar aquilo a que alguns chamam “sistema”, e que à falta de melhor passaremos a usar, como uma gigantesca nave espacial com diversos comandos e terminações, onde inesperadamente ninguém controla a direcção. Um colosso sem rumo.
A sua função é o controlo do indivíduo, acenando-lhe com uma ética e uma escala de valores pré-ordenada a um fim: o lucro. Digamos, não um lucro apenas no sentido de mais-valia, mas no sentido de uma toda e qualquer valia, algo incomensurável.
O seu espaço é o espaço asséptico, desinfectado, descaracterizado, o resultado que se pretende do trabalhador.
A sua forma mentis é a psicologia e a optimização. Para ele, o Ser-Humano vale por aquilo que produz, mas o seu domínio sobre o sujeito aspira à totalidade. Não domina pela força, mas pelo símbolo, transpondo para as relações sociais a linguagem atávica da guerra. Nesta sociedade pós-industrial não se explora. Exclui-se. O sistema impõe um conjunto de preceitos que constituem a “gralha”, o filtro. O não formatável é excluído. Tende-se para a segregação. Convive, embora com um atrito cada vez mais significante, com um Estado Social em decomposição, um empecilho para as forças dominantes e algo incompreensível para toda uma geração.