terça-feira, 28 de julho de 2009

Uma sociedade assente em patologias seculares. Determinismo civilizacional. Estamos a falar da Rússia.
Aqui, a cisão entre o Estado e a sociedade é brutal. O Estado é algo de estranho, externo à sociedade. A complexidade acentua-se quando constatamos que é este o tipo de Estado que os russos reconhecem como o melhor e mais consentâneo com a especificidade do seu país. Um estado de mão pesada e terrível, numa linha de governação que pouco muda, desde Ivan a Putin.
Curiosamente, o auto-isolamento, esclerosamento e e autocracia são também o pior inimigo do povo russo. A sociedade foi sempre composta de uma massa imensa de camponeses (moujiques, depois da abolição da servidão por Alexandre II), uma minoria operária (3%, à data da Revolução de 1917) e nobreza. A extrema intolerância e redução do espaço público de discussão a zero, faz com que os grupos revolucionários se tornem ainda mais radicais e perpetua os vícios do Estado: uma máquina burocrática gigantesca, ineficaz e monocéfala. A autonomia do poder local é praticamente nula.
Desta evolução parece resultar que a Rússia, país eternamente dilacerado entre Oriente e Ocidente, absorve o pior destes dois mundos: a desumanização e crueldade orientais; de ocidente, as formas políticas despojadas do seu conteúdo e despojadas de um contexto propício (quiçá, a própria interpretação bolchevique do marxismo).
É o persistir da recusa de compromisso, a vontade de servidão, apatia, gosto pelo sofrimento.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Enfrentando uma sociedade cada vez mais opressora, as forças sociais que nos impelem inexoravelmente para um papel: uma performance, reduzem cada vez mais o significado (o que quer que isso seja) da vida. O papel do trabalho na vida de uma pessoa foi progressivamente desvirtuado após a Revolução Industrial. Porém, hoje, não se trata apenas da escravização do homem pela máquina (ideia sobejamente conhecida e explorada até à náusea pelos teóricos), mas da exploração do homem pelo número. O número, transposição abstracta da individualidade e unidade, variado em constantes binárias, precipita a existência para uma ambivalente relação entre realidade e irrealidade. Assim, será cada vez mais ténue a fronteira entre trabalho e lazer; diversão e prazer – o infinito subjectivo projectar-se-á com igual leveza no estabelecimento de laços afectivos instantâneos ou numa prestação laboral (a venda de um produto, por exemplo). O problema reside precisamente na incomensurabilidade existente entre o valor da prestação (ou performance), enquanto esforço de subectivação, e o seu resultado. Tal incomensurabilidade leva a exigências pessoais cada vez mais rigorosas - até ao delírio, assim como, no plano político e social, a um retrocesso.
A escrita é a morte da palavra, mas é, também, o começo de uma nova vida. Escrever é um exercício doloroso. É uma descida aos infernos; uma ida sem retorno ao infinito pessoal.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

“Pretende-se, em terceiro lugar, que compensando de algum modo a censura de superstição e de abandono que se pode fazer às épocas de corrupção, os costumes se fazem mais suaves no decurso destes períodos, que a crueza aí diminui notavelmente em comparação com as épocas precedentes, mais crentes, mais fortes. Não poderia já subscrever este elogio, tal como não subscrevei a acusação precedente: tudo aquilo que concedo, é que a crueldade se afirma, que as suas antigas formas repugnam ao gosto novo; mas a arte de ferir, de torturar com a palavra ou o olhar, alcançam em contrapartida, em tempo de corrupção, o seu supremo aperfeiçoamento; é só então que nascem a malignidade e o prazer de ser maldoso. As pessoas das épocas corrompidas são espirituais, caluniadoras; sabem que se pode matar dispensando a utilização do punhal e das suspresa; sabem também que se acredita em tudo o que é bem dito”.

F. Nietzsche, in A Gaia Ciência