quinta-feira, 30 de abril de 2009

Tudo é poesia! Todas as formas literárias se resumem à poesia. A forma é o que dá vida própria ao poema. O poema sem forma, é como um bloco de mármore sem escultor nem cinzel, ansiando pela vida.
VII

Em alguma fase da vida atravessamos o nosso próprio rio do esquecimento. Nadamos laboriosamente e ansiamos a outra margem. Chegados a essa margem, a do esquecimento, apertamos as botas e levantamos bem alto a cabeça. Seguimos, até que alguém grita o nosso nome da outra margem. De novo sentimos o peso das roupas molhadas e o pesadelo de continuar a ser o que somos.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

É mais sincero o beijo de uma desconhecida do que o de alguém que nos amou. Só o primeiro não traiu.
IV
De repente, sinto falta de todas as histórias que ficaram por contar. De palavras, palavras usadas, séculos e séculos de significados, quilómetros de semântica. Olho em frente e vejo que só as palavras ficam. E em Deus, herói de todos os esforços julgados vãos, vejo a face de uma mulher. Choros, gritos, morte… Tudo sistematizado em volumes e compêndios. Tudo assimilado na grande marcha da civilização.
III
Às vezes penso que nada mais no futuro poderá ser belo e misterioso. O dia chegará, em que as certezas engolirão o nosso mundo, e o soldado desconhecido será tão obsoleto quanto o foi, em fim de tempo, a Cavalaria com a introdução da artilharia na arte da guerra.
Talvez a vida pela espada fosse o nosso estado natural de sempre e, desde então, mais não fizemos que cavar a vala comum da infelicidade. Talvez ainda esteja para chegar a vida mais triste de sempre.
II
Os primeiros poetas ocidentais escreviam na primeira pessoa, tal como se incluíssem na obra o seu próprio reflexo. Peso que não tinham consciência da sua grandeza, embora soubessem que escreviam para a posteridade. Imortalizavam os seus amados em sufocos homoeróticos.
I
Nos tempos em que servi, nunca fui daqueles que se deixasse passar a perna. Quando era criança desconhecia a existência de poetas, embora estivesse seguro que eles existiam. Apenas sabia que os poetas eram sinceros e exprimiam sentimentos
Em todos nós vive a ânsia da submissão a uma vontade alheia. Quem não tem, ainda, vontade de seguir a um Cristo ateu? Todos temos.
Este Cristo trocou a túnica pelo fraque e pela gravata. Anuncia o advento da chegada do Reino do Sucesso. Prega por cidades e aldeias, e os povos, amorfos, seguem-no. Um triste cortejo de penitentes. Não pretendem a salvação da alma. Já não acreditam na alma. Já não conhecem a profanação e os pecados da carne. O único pecado possível é não comer carne. Comem-se uns aos outros e choram-se. Não sabem chorar e não sabem rir. Encontram-se mas perdem-se. Perdidos em caminhos há muito traçados. Pisam e repisam a terra há muito pisada. Navegam por mares há muito navegados.
Rendemo-nos a ti, Cristo sem Cruz. Come a nossa carne e bebe o nosso sangue.
É tudo o que desejamos, por hoje…
Sempre senti uma certa curiosidade por certos momentos da vida das pessoas comuns (o que quer que isso seja). Falo de certos momentos-chave. Momentos de contrição.
Alguém, seja quem for, mesmo a pessoa mais banal, acumula os desgostos e desilusões do dia-a-dia. Quem sabe, mesmo os grandes dilemas morais filosóficos? Engole, dia-a-dia, com o gosto amargo de algo que, de resto, tenta resistir com indiferença. Criou essa indiferença como mecanismo de resistência. Construiu uma Babel na rotina e aceitou como normal toda essa violência de viver. Um dia, por algum acontecimento fortuito, um pormenor sem importância, uma futilidade, chora. Chora desalmadamente. Essas lágrimas transportam todo o peso do mundo.