Diz-se que o outrora poderoso Aquiles não morreu ferido no calcanhar. Essa seria uma necessidade narrativa que Homero concedera aos fortes e belos: morrer forte e belo. O misterioso apócrifo que o refere, narra pesadamente o pior castigo que os Deuses dão aos prepotentes. A morte por velhice. A morte reservada aos que deverão assistir à lenta decadência do seu corpo e faculdades mentais. As novidades de horror que as vísceras nos reservam. A dor que nunca em idade sana imaginámos existir.
Definhou velho, o pobre Aquiles.
Refere-se também o dia em que Aquiles trucidou Heitor. Como furioso o esventrou em frente do seu amado pai, como o prendeu à sua troica de esbeltos cavalos e o arrastou pelas praias empoeiradas e pedregosas de Tróia.
Num acto final desesperado, teria mesmo desfeito o rosto de Heitor com uma pedra afiada. Dir-lhe-ia uma Musa suspeita, que quanto mais delapidava o odiado rosto, mais o seu se lhe desenhava no inerte cadáver.
sexta-feira, 30 de setembro de 2011
sexta-feira, 26 de agosto de 2011
As vantagens de ser fatalista e pretendente a escritor
Antes de começar, gostava de vos dizer que este episódio é, no essencial, verídico, estando apenas um pouco floreado com as exéquias que situação exige.
Há uns tempos atrás, no trabalho, uma superior hierárquica (por sinal bem jeitosa), dirigiu-me as seguintes palavras:
- Ó Feliciano! Estás muito ocupado? Não? Olha, arruma-me aqui estes processos. Não me apetece fazê-lo agora.
Ouvida esta ordem, o meu cérebro pensou: «e um minete? Não vai?», ao mesmo tempo que a minha boca dizia:
- Claro. Para já?
- Não… Quando tiveres tempo.
Agora perguntem: como é que nesta situação degradante da condição humana mostra-se útil ser fatalista e pretendente a escritor?
Eu respondo: Ajuda sim senhor! Quando a senhora se dirigiu a mim, pensei: esta senhora não existe e todos os que aqui estão não existem, e talvez eu seja a única realidade pensante no meio deste bando de símios. São apenas sombras, joguetes inconscientes nas mãos do destino. O que a sua boca profere mais não é do que um a voz inconsciente comandada por uma força incógnita, desconhecida, que ao longo da história dos homens vai ditando as suas regras… inexoráveis para toda esta construção frágil e precária a que chamamos civilização. Se esta voz agora me rebaixa ao ponto zero da dignidade, e pretende mesmo aniquilar tudo aquilo que tenho de precioso (diga-se, a memória), é porque é politicamente útil que o faça. No fundo, ela é tão culpada como eu.
Depois de tudo isto me ter ocorrido numa fracção de segundo, senti um conforto terrível e uma certeza inabalável que um dia, talvez quando os bons Deuses do Olimpo acordarem do seu sono, algo semelhante seja recordado por alguém.
Há uns tempos atrás, no trabalho, uma superior hierárquica (por sinal bem jeitosa), dirigiu-me as seguintes palavras:
- Ó Feliciano! Estás muito ocupado? Não? Olha, arruma-me aqui estes processos. Não me apetece fazê-lo agora.
Ouvida esta ordem, o meu cérebro pensou: «e um minete? Não vai?», ao mesmo tempo que a minha boca dizia:
- Claro. Para já?
- Não… Quando tiveres tempo.
Agora perguntem: como é que nesta situação degradante da condição humana mostra-se útil ser fatalista e pretendente a escritor?
Eu respondo: Ajuda sim senhor! Quando a senhora se dirigiu a mim, pensei: esta senhora não existe e todos os que aqui estão não existem, e talvez eu seja a única realidade pensante no meio deste bando de símios. São apenas sombras, joguetes inconscientes nas mãos do destino. O que a sua boca profere mais não é do que um a voz inconsciente comandada por uma força incógnita, desconhecida, que ao longo da história dos homens vai ditando as suas regras… inexoráveis para toda esta construção frágil e precária a que chamamos civilização. Se esta voz agora me rebaixa ao ponto zero da dignidade, e pretende mesmo aniquilar tudo aquilo que tenho de precioso (diga-se, a memória), é porque é politicamente útil que o faça. No fundo, ela é tão culpada como eu.
Depois de tudo isto me ter ocorrido numa fracção de segundo, senti um conforto terrível e uma certeza inabalável que um dia, talvez quando os bons Deuses do Olimpo acordarem do seu sono, algo semelhante seja recordado por alguém.
terça-feira, 12 de julho de 2011
Quando Marx coloca a economia, como sendo o centro polarizador da sobrevivência, no cerne da vida social e histórica, na realidade não está a ver um determinado fenómeno apenas do ponto de vista económico, mas a abarcá-lo de diversos pontos de vista. Eis o monismo que o os positivistas do século XIX tanto menosprezaram.
Se as relações económicas se estruturam em relações de produção, onde uma das partes detém o capital e outra parte fornece o seu trabalho em troca de uma remuneração, estamos perante um jogo de forças (e bem assim num equilibrio social precário) que contamina a própria estrutura das relações sociais. Daí a crença de que o modelo económico acabará por arrastar o modelo social para o mesmo tipo de estruturação.
Não surpreende então que um modelo económico baseado no medo, na hierarquia e na irracionalidade, como aquele que o capitalismo favorece, acabará por levar por arrasto as relações sociais e o próprio comportamento individual. Acreditar-se-á em alguma natureza humana fundada na procura do lucro, depois de admitidos estes pressupostos? As pessoas acabarão, elas próprias, por se classificar por uma espécie de valia económica implícita, os seus desejos e ansiedades sujeitos a regras inflacionárias e deflacionárias, as suas qualidades vendidas no mercado a preço de saldo.
Na verdade, muito do que somos reflecte-se no trabalho enquanto estrutura de relacionação com a sociedade. Mas a uma sociedade que vê as relações e valia pessoais como um dado utilitário, não custa depreciar o desempregado como inútil, como um peso para si próprio e para o conjunto.
Perguntemo-nos também porque mesmo a estrutura mais desumana conseguirá sempre os seus adeptos, independetemente da época histórica e por mais absurdas que sejam as suas proposições? Porque se segue a força, que raramente (ou só provisoriamente) poderá ser a força dos fracos.
Se as relações económicas se estruturam em relações de produção, onde uma das partes detém o capital e outra parte fornece o seu trabalho em troca de uma remuneração, estamos perante um jogo de forças (e bem assim num equilibrio social precário) que contamina a própria estrutura das relações sociais. Daí a crença de que o modelo económico acabará por arrastar o modelo social para o mesmo tipo de estruturação.
Não surpreende então que um modelo económico baseado no medo, na hierarquia e na irracionalidade, como aquele que o capitalismo favorece, acabará por levar por arrasto as relações sociais e o próprio comportamento individual. Acreditar-se-á em alguma natureza humana fundada na procura do lucro, depois de admitidos estes pressupostos? As pessoas acabarão, elas próprias, por se classificar por uma espécie de valia económica implícita, os seus desejos e ansiedades sujeitos a regras inflacionárias e deflacionárias, as suas qualidades vendidas no mercado a preço de saldo.
Na verdade, muito do que somos reflecte-se no trabalho enquanto estrutura de relacionação com a sociedade. Mas a uma sociedade que vê as relações e valia pessoais como um dado utilitário, não custa depreciar o desempregado como inútil, como um peso para si próprio e para o conjunto.
Perguntemo-nos também porque mesmo a estrutura mais desumana conseguirá sempre os seus adeptos, independetemente da época histórica e por mais absurdas que sejam as suas proposições? Porque se segue a força, que raramente (ou só provisoriamente) poderá ser a força dos fracos.
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