sábado, 12 de janeiro de 2013

O meu Dentista


O meu dentista é um gajo porreiro. Talvez nem seja dentista, mas um homem de negócios que por acaso é dentista. Quando me consultou a primeira vez disse: « - O seu apelido é Silva? O senhor tem cara de árabe!». O senhor tem cara de monhé, pensei. Obliterou, cortou, secou. Falou-me em dentes de porcelana que voavam da Alemanha. E a tipa que está ao teu lado é de Leste, pensei. É um gajo porreiro, que por acaso é dentista, monhé e homem de negócios. Talvez seja mesmo um Napoleão. Napoleão disfarçado de monhé, dentista e homem de negócios.
Dito isto, e assumindo a injustiça do meu tom, já que, como veremos, falamos de um homem honesto e transparente com quem aprendi muito, façam o favor de ler este texto se quiserem descobrir porque é que ele é honesto, transparente e me ensinou muito. O marquetingue.


Este texto, na realidade, não é sobre o meu dentista, ou sê-lo-á apenas por antonomásia. Este texto é sobre transparência, e se me lembrei imediatamente do meu dentista é porque ele tem um consultório transparente, com diversas salas, todas em vidro, e as pessoas que passam na rua veem-no trabalhar e veem-nos ali deitados de boca escarranchada. O homem tem olho para o negócio e já construiu um império de consultórios em Lisboa. Direi mesmo que se a morte o colher inesperadamente, como tantas vezes faz aos napoleões deste mundo, será extremamente injusto. Extremamente injusto. O senhor tem cara de árabe. O senhor tem cara de monhé. E mais digo que aos napoleões deste mundo tudo é permito, inclusive dizimar nações inteiras. O meu Napoleão apenas me dizimou o salário, quase sem explicar o que fazia. Apenas o vi dar ordens à sua assistente de Leste. Aliás, naquele consultório todas as assistentes são de Leste, altas, loiras, giraças. Pronunciam um português à boquinha fechada e fazem-me lembrar as sedutoras de 3ª do Alphaville – amorfas, iguais, assépticas.
Na realidade, este artigo é sobre assepsia, mas apenas porque a rotunda que faz esquina com o consultório do meu dentista – a Rotunda da Placa Dentária – chamo-lhe assim porque tem nada menos que uma placa dentária gigante lá plantada no meio, é extremamente asséptica.
Mas se este artigo versasse sobre o nobre assunto das rotundas, bem poderia falar-vos sobre as rotundas de V.N. Famalicão, a minha terra natal.
O presidente da câmara, o homem mais rico da região, mandou construir uma rotunda em frente ao Jumbo onde se encontra um trabalho escultórico de homenagem ao empresário. Não a um empresário em específico, mas ao “Empresário”. São duas colunas, ou não são bem colunas mas torres, uma asséptica, outra enferrujada. Numa vemos um senhor vestido de empresário a desafiar as leis da gravidade subindo-a na vertical. Em ambas vemos dois bonecos postos lá no cimo, que simbolizam empresários e estão no topo. São os napoleões.
Se seguirmos pela rotunda do Jumbo em direcção ao centro da cidade, passamos na rotunda Bernardino Machado, ilustre Presidente da República na primeira dessa nome, e natural do concelho. Encontra-se colocado num vasto pódio, bem à esquerda. Porque era um homem de esquerda, claro está. Dizem as más-línguas que quando o actual presidente da câmara morrer, colocarão a sua estátua à direita desse pódio.
No final dessa mesma avenida, encontramos a rotunda da Paz, também conhecida por “Rotunda das Pombinhas”, não apenas porque tem umas pombinhas lá postas, que simbolizam a paz, mas também porque esse era o local de frequência das senhoras da vida.
Entre a rotunda Bernardino Machado e Rotunda da Paz, surgiu uma nova que se chama “Rotunda Rotary Club”. Rotundas. Aos napoleões tudo é permitido.
E as meninas russas que assistem o meu dentista, aperaltam-se todas para o dia de trabalho. Pudera… Não são apenas assistentes, mas também actrizes, tal como as meninas professoras do Wall Street Institut, em Lisboa. Também aí é tudo em vidro, transparente, asséptico. Estamos na época do Reality Show. Todos somos potenciais actores.
Aos napoleões tudo é permitido.

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