segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Novas formas, velhas ideias.

Em finais do século XIX, F.Nietzsche distinguiu dois momentos diversos na evolução das sociedades: os momentos de violência e os de corrupção. Os primeiros caracterizam-se por uma espécie de guerra de todos contra todos, portanto, eivados de violência física e insegurança; os segundos, caracterizam-se por um ambiente conspirativo em que, fundamentalmente, se acredita em tudo o que seja bem dito. Um pouco na esteira de Nietzsche, sou da opinião de que a violência nas sociedades é contínua, apenas se transmutando em formas mais sofisticadas.
É essa violência (real e simbólica), que o espectro político actualmente representa, acriticamente aliado com o status quo (esquerda incluída), fazendo cair por terra, cada vez mais despudoradamente o manto de legalidade que o mundo herdou do Pós-Segunda Guerra Mundial. A par desta, uma outra vaga não menos violenta nos invade: a banalidade. Porém, mais perversa, e com a qual todos parecem comungar de forma esquizofrénica, a banalidade/vulgaridade infiltra-se na sociedade até às entranhas, naquilo que se poderia chamar "um domínio a partir de dentro". Imprensa escrita e audiovisual de miserável qualidade, notícias tendenciosas, voluntarismo jornalístico, comentadores, opinion makers, todos, os verdadeiros príncipes da nova ordem. "Os tempos medíocres geram profetas vazios", disse Albert Camus em "A Queda". A opressão democrática, qual Babilónia de papel, nivela direitos e salários por baixo. Melhor, convence a opinião publica da absoluta necessidade deste estado de coisas. A selva mediática ocupa-se resto, como canta José Mário Branco, fazendo de cada homem uma ilha.
A onda de vulgaridade estende-se aos meios académicos, trabalhos e teses de copiosa pobreza, todos partilhando de uma ideia comum: não fazer juízos de valor; não criar doutrina, como se o mais perigoso e evitável de tudo fosse pensar por si próprio. Surge o sentimento inconsciente de se pertencer a uma época pós "qualquer coisa" mitigado pela tendência (esta, bem consciente) da falta de originalidade. A erosão das fronteiras entre a realidade e a ficção torna-se tão avassaladora que todos parecem capazes de afirmar e se sujeitar às maiores barbaridade.
Tudo o que se acreditou se dissipa, excepto aquilo que smpre ressurge em épocas corruptas: a punição, a ignorância e, como é óbvio, o domínio do mais forte sobre o mais fraco. Só isto nunca muda.

domingo, 24 de outubro de 2010

Sobre a continuidade e a ruptura

Em pleno século XIX, o filósofo alemão F. Hegel desenhou a base do seu sistema filosófico, ancorado numa nova
perspectiva extensível a todos os campos do saber - a evolução dialéctica, particularmente da história, uma nova luz sobre como
a cultura de passou a compreender a si própria. Em primeiro lugar, compreendeu-se que o progresso histórico não é linear,
mas acidentado, repleto de avanços e recuos, fracturas e perdas. Esvaneceu-se assim, ao mesmo tempo, um certo encanto romântico
que o acaso possa desempenhar, dissolvido numa visão determinista da história.
Mas mais perturbador do que pensar a história como um processo químico, que estamos eternamente condenados a incidir nos
erros passados, a compreender que a segurança do pós-Segunda Guerra Mundial nos trouxe é meramente ilusória, que um dia, enfim, tudo se acaba, é
pensar que talvez as coisas nunca mudem, que por mais que nos imponham o catecismo refinado das universidades e do progresso humano, estamos fadados para
uma espécie de deambulação imóvel. Será que o estado nazi rompeu de forma assim tão flagrante com a cultura alemã oitocentista: veneração da autoridade e da hierarquia, tendência territorial expansiva, ansiedade pela pureza da nação. Será que o estado bolchevique quebrou assim tão radicalmente com o passado czarista: ortodoxia iconoclasta, inquisitorialismo, separação entre estado e sociedade.
Pergunta final: será que o boom tecnológico e as suas consequências ao nível social não lançará a humanidade para uma nova era de obscurantismo e desumanização?

sábado, 22 de maio de 2010

Capitalismo III

Lloggi, o monstro amoroso precisa de amor.Já nao lhe bastava trucidar os seus filhos e servos, que agora surge-lhe na fronte vã a necessidade de ser amado. Lloggi descobriu que nada subsiste sem a a crença, e que o Império Romano caiu quando a ideia de Roma , enquanto elemnto civilizacional, morreu. Mas Lloggi habituou-se demasiado rápido à guerra.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Desenvolvimento por enclaves

R. Kapuscinski, grande jornalista polaco e escritor, talvez o maior o maior do século passado, conheceu bem a fundo aquilo que designamos por teceiro mundo. Países subdesenvolvidos, com défices infraestruturais e educacionais crónicos, patologias sociais endémicas, Estado falhados. Uma das notas que, na opinião deste autor, caracteriza um país do terceiro mundo é o chamado desenvolvimento por enclaves. Que quer isto dizer?
Na paisagem urbana de uma cidade de um país desenvolvido, deparamo-nos com uma certa ordem de coisas: a disposição das casas, as ruas e edifícios denotam uma certa homogeneidade. Encontram-se razoavelmente limpas, as estradas e todas as zonas da cidade conhecem padrões de qualidade muito semelhantes; a própria aparência dos seus habitantes sugere uma certa homogeneidade.
Já nos países subdesenvolvidos, as cidades apresentam graus de organizalção muito díspares, os bairros e condomínios de luxo intercalam com bairros de lata, às casas degradadas sucede um ou outro edifício imponente - imponentemente asséptico - ,a monumentalidade fria de uma banco, por exemplo, uma espécie de oasis asséptico entre a desolação.
Não será muito difícil identificar este último modelo com o nosso país. Os centros históricos das cidades portuguesas estão abandonados, empedernidos de casas (por vezes de grande valor arquitectónico) em total degradação, fruto de anos de abandono pelo poder autárquico, que sempre prefere alargar o perímetro urbano, autorizar novos loteamentos de legalidade duvidosa e cumprimento dos planos urbanísticos mais que duvidoso, condomínios fechados e outras sensaborías. Isto é o desenvolvimento por enclaves, triste realidade do nosso país nas últimas décadas.
Arriscar-me-ia a ir ainda mais além neste conceito. Diria que a tendência estende-se a toda a sociedade que não se desenvolve de forma harmónica. O fenómeno da globalização acentuou ainda mais esta tendência.
O mesmo Estado que diz estar no "Top" em informatização dos serviços, concede reformas de miséria aos aposentados, salários de fome aos trabalhadores, condições paupérrimas no acesso à justiça, iniquidades insuportáveis no sistema de educação.
Talvez um dia se cumpra o sonho profético de Saramago, e o nosso pequeno quadrado vagueie por esse oceano Atlântico fora até esbarrar com a América latina.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

A monotonia do terror

Só quando o tempo serve a acção, exclusivamente a acção, se compreende como até o terror pode ser monótono.
O hábito, enfim, o último reduto dos seres vivos. A monotonia, necessidade de sobrevivência.

domingo, 16 de maio de 2010

Requiem por um liberalismo muito pouco liberal

Este texto poderia ter muitos outros títulos, todos eles tristes, todos eles cómico-trágicos, todos com um je ne sais pas quoi de verdade. O primeiro poderia ser: “ A concorrência em Portugal, história de um desencanto”, ou então “Contra o Estado, marchar...marchar!”, ou recuperando a célebre frase de Baudelaire. “ Um oásis de horrores num deserto de aborrecimento” (o que adaptado à realidade portuguesa seria mais “Um oásis de corruptos no país dos gatos pingados”)...
Há já alguns anos que a fixação do preço dos combustíveis foi deixada à boa mercê dos privados. O resultado está à vista. As duas grandes empresas do sector não concorrem. Fixam os preços. O povo paga e continua calado. Mas existe uma autoridade para a concorrência em Portugal? Sim, existe. O que faz? Nada. Sim, mas também existem normas anti-trust da toda poderosa legislação europeia. Sim, existem, mas esta salvaguarda a aplicação das suas sanções dos casos em que da concentração resulte um manifesto benefício para o consumidor. Existe esse benefício em Portugal? Sim, o pobre condutor que faça um percurso na auto-estrada de Bragança a Vila Real de Santo António encontrará postos de abastecimento de X em X quilómetros e... e... graças a Deus, todos com o mesmo preço. Aí está o benefício, os postos de abastecimento. O que faz a Comissão Europeia? Nada.
As empresas de telecomunicações têm também em Portugal um paraíso único em toda a Europa. Fazem os preços que querem, apresentam preços demasiado.... só demasiado semelhantes. O povo paga. Autoridade da concorrência? Nada. Comissão? Nada.
Também por alguma razão que desconheço, os analistas dessas novas agencias de rating, essas que põem o cabelo em pé a qualquer governante, desconfiam da solvabilidade do nosso pais. Porquê? Se somos o povo mais sobreserviente, o mais estúpido, o mais amorfo?! Deveriam sim, avaliar em alta o nosso pais, uma vez que os sucessivos governos podem impor as medidas restritivas que bem entenderem. À parte dos chatos do costume (aos quais um certo cronista apelidou de excrementos) não encontrarão oposição. Os dois grandes partidos do poder chegaram a um enorme consenso em prol da pátria. Reduzir, cortar, emagrecer, para bem satisfazer o desejo de sangue dos investidores, os mesmos que pelos ganhos de um dia sacrificam o bem-estar das futuras gerações.

sábado, 15 de maio de 2010

Capitalismo II

Lloggi, esse monstro terrivelmente bondoso, é muitas vezes fustigado por uma fome avassaladora. Começa por se alimentar daquilo que a natureza dá: frutos, plantas, carne de animais, raízes. Um dia estas benesses de Deus esgotam e começa a comer as casas, as ruas, os postes de electricidade. Quando já nada se mantém de pé, começa a comer as pessoas, as suas carnes suculentas, os ossos, as cartilagnes, os contornos do crâneo. Quando já não restar ninguém, talvez enverede pela carreira da necrofagia. Os mortos qe se cuidem. Mas só dentro de si continua a ser possível o amor.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O Diabo, provavelmente...

Quem tenta explicar os diversos movimentos da história, os surtos de peste e guerra, os avanços e recuos de povos, deparar-se-á com dificuldades excruciantes caso resolva ir um pouco mais além da frieza dos factos e datas. Há uma outra força que surge de forma irruptiva na história: a da estupidez -, e para essa essa não existe explicação nem análise plausível. Como assim? Em determinados períodos, aglomerados maiores ou menores de pessoas resolvem-se pela estupidez, pelo conformismo, pelo acriticismo. É essa força obscura que hoje irrompe no meio empresarial, onde
a falta de ética, a agressividade, a falta de escrúpulos, são não apenas aceitáveis mas incentivadas.
O Newspeak empresarial banha-se de novos conceitos, transplantando-os para a esfera pública e particular: a cultura do objectivo, a pró-actividade, o "brainstroming", o a crença estapafurdia no potencial ilimitado do indivíduo ( que na verdade não é mais do que uma crença em algo indefinível revestido de um perfume de religiosidade).
A política e os seus fenómenos excludentes já não surge em asserções assumidas, mas na frieza de um regulamento, na inquestionabilidade de uma ordem.
Mais do que tudo, é necessário que a nova esquerda renove o seu discurso político. A retórica tradicional sindicalista deve-se focar no que acontece dentro da empresa, sob pena de criar uma sociedade bicéfala: a do estado (teórica) e a sociedade real, onde vigora a selvagaria.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A ditadura do século XXI

Um dos vectores que deve caracterizar uma democracia como espaço de liberdade, é precisamente a existência de espaços livres de direito. Que quer isto dizer? Quer dizer que nem todos os aspectos da vida devem estar juridicamente regulados. Nem todos os aspectos da vida são juridicamente reguláveis. Uma sociedade que sente necessidade de regulação até ao mais ínfimo pormenor, até ao paroxismo, não será uma sociedade doente?

Digamos que o fenómeno não é exclusivo da regulação estadual. Antes perpassa todas as esferas sociais onde as normas se podem exprimir. Nos locais de trabalho, nos locais de lazer, até nas relações pessoais. Todas as épocas sofrem das suas obsessões, e estou certo que, no futuro, quando alguém se dispuser a reflectir sobre o quanto descemos e o quanto aceitamos, quando se apaziguar na mente dos homens a loucura do comercio, compreenderão mais claramente todo este absurdo.

O exemplo mais fulgurante parte logo de cima, das instancias de decisão europeia. Os regulamentos e directivas chegam aos magotes. Cada vez mais pormenorizados. Cada vez mais expansivos. Ignoram deliberadamente as especificidades nacionais e absorvem, quando transportados para a realidade nacional, os vícios atávicos de cada sociedade, aqueles que nunca passam... Em Portugal, por exemplo, a criação da ASAE ou, como lhe quiseram chamar, a PIDE dos comes e bebes, incorporou a obsessão pela assépticémia norte-europeia e a tradição inquisitorial lusitana. O pior de dois mundos...

Os conflitos que tradicionalmente se resolviam à chapada à porta do café ou, nos casos mais felizes, com um gentelman-agreement, resolvem-se agora em tribunal com pedidos de indemnização chorudos.

Quem se habituará à nova ditadura, aquela por quem ninguém dá à cara?

L.S

quarta-feira, 17 de março de 2010

Do Estado minimal à consciência asséptica

Um dos vectores que define um Estado de coisas num determinado momento histórico é a relação que se estabelece entre o poder (enquanto detentor do monopólio do exercício da violência, real ou simbólica) e a sociedade, enquanto conjunto de forças que partilham um sentimento de pertença a uma determinada comunidade. Assumindo que esse poder não pode viver única e exclusivamente pela repressão, no sentido da sua pretensão à perpetuação no poder da oligarquia que o domina, afigura-se necessário criar um certo “way of life” que sirva de escatologia aos cidadãos. Em tempos, essa função foi assumida pela propaganda, mormente com os Estado totalitários, mas os tempos são de democracia, e as forças que actualmente configuram um conjunto altamente complexo.
Porém, e desta feita apelando um pouco à imaginação do leitor, podemos idealizar aquilo a que alguns chamam “sistema”, e que à falta de melhor passaremos a usar, como uma gigantesca nave espacial com diversos comandos e terminações, onde inesperadamente ninguém controla a direcção. Um colosso sem rumo.
A sua função é o controlo do indivíduo, acenando-lhe com uma ética e uma escala de valores pré-ordenada a um fim: o lucro. Digamos, não um lucro apenas no sentido de mais-valia, mas no sentido de uma toda e qualquer valia, algo incomensurável.
O seu espaço é o espaço asséptico, desinfectado, descaracterizado, o resultado que se pretende do trabalhador.
A sua forma mentis é a psicologia e a optimização. Para ele, o Ser-Humano vale por aquilo que produz, mas o seu domínio sobre o sujeito aspira à totalidade. Não domina pela força, mas pelo símbolo, transpondo para as relações sociais a linguagem atávica da guerra. Nesta sociedade pós-industrial não se explora. Exclui-se. O sistema impõe um conjunto de preceitos que constituem a “gralha”, o filtro. O não formatável é excluído. Tende-se para a segregação. Convive, embora com um atrito cada vez mais significante, com um Estado Social em decomposição, um empecilho para as forças dominantes e algo incompreensível para toda uma geração.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Eis que chegamos à fase mágica de uma sociedade decadente em que todos ainda se suportam. Todos se toleram, apesar de antagonistas. Porém, o dia chegará em que Setembrini não suportará o velho jesuíta Nafta, e à velha Montanha Mágica regressará o cheiro da fuligem.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Ensaio para uma década de desencanto

Foi assim que definiu a primeira década do século XXI um jornal qualquer (não me lembro qual). Porquê desencanto? Questões objectivas apontam para isso: a ideia do Fim da História conheceu o seu próprio fim; o fim da ideia de um mundo pacífico após o término da Guerra-fria; o fim da ideia da infinita capacidade de reinvenção do liberalismo económico. Quantas mais utopias destruirá a década que agora começa?