R. Kapuscinski, grande jornalista polaco e escritor, talvez o maior o maior do século passado, conheceu bem a fundo aquilo que designamos por teceiro mundo. Países subdesenvolvidos, com défices infraestruturais e educacionais crónicos, patologias sociais endémicas, Estado falhados. Uma das notas que, na opinião deste autor, caracteriza um país do terceiro mundo é o chamado desenvolvimento por enclaves. Que quer isto dizer?
Na paisagem urbana de uma cidade de um país desenvolvido, deparamo-nos com uma certa ordem de coisas: a disposição das casas, as ruas e edifícios denotam uma certa homogeneidade. Encontram-se razoavelmente limpas, as estradas e todas as zonas da cidade conhecem padrões de qualidade muito semelhantes; a própria aparência dos seus habitantes sugere uma certa homogeneidade.
Já nos países subdesenvolvidos, as cidades apresentam graus de organizalção muito díspares, os bairros e condomínios de luxo intercalam com bairros de lata, às casas degradadas sucede um ou outro edifício imponente - imponentemente asséptico - ,a monumentalidade fria de uma banco, por exemplo, uma espécie de oasis asséptico entre a desolação.
Não será muito difícil identificar este último modelo com o nosso país. Os centros históricos das cidades portuguesas estão abandonados, empedernidos de casas (por vezes de grande valor arquitectónico) em total degradação, fruto de anos de abandono pelo poder autárquico, que sempre prefere alargar o perímetro urbano, autorizar novos loteamentos de legalidade duvidosa e cumprimento dos planos urbanísticos mais que duvidoso, condomínios fechados e outras sensaborías. Isto é o desenvolvimento por enclaves, triste realidade do nosso país nas últimas décadas.
Arriscar-me-ia a ir ainda mais além neste conceito. Diria que a tendência estende-se a toda a sociedade que não se desenvolve de forma harmónica. O fenómeno da globalização acentuou ainda mais esta tendência.
O mesmo Estado que diz estar no "Top" em informatização dos serviços, concede reformas de miséria aos aposentados, salários de fome aos trabalhadores, condições paupérrimas no acesso à justiça, iniquidades insuportáveis no sistema de educação.
Talvez um dia se cumpra o sonho profético de Saramago, e o nosso pequeno quadrado vagueie por esse oceano Atlântico fora até esbarrar com a América latina.
quarta-feira, 19 de maio de 2010
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Não sabia que Saramago sonhava.
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