quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Verbatim


O latim é uma língua para ser ensinada e aprendida com severidade. Mesmo dos textos latinos mais lúdicos e jocosos pode-se extrair uma gravidade sonora de séculos e séculos. Os diversos paradigmas, declinações e excepções apelam à memorização e à disciplina. Não há volta a dar. Mas como há sempre volta a dar, resolvi aprender latim levianamente e à socapa,  numa das universidades da capital. Assim, enquanto o professor apela ao rigor e desenha esquemas, vou ventilando as palavras e apreciando aquelas frases belíssimas, com a memória de uma ou outra declinação quando a intuição mo diz. Enquanto descubro a pungência de Marcial em esquemas de palavras labirínticos, aprecio o belo torso voltado da puella alemã sentada no banco da frente, que parece o de uma princesa fugida das florestas germânicas. Imagino então as chicotadas, os raspanetes, os quartos escuros, as privações de refeição que a ignorância daquelas terminações par coeur terá infligido a milhares de homens ilustres ao longo dos séculos.

Acalentei a esperança de o aprender sem decorar, quando num capítulo dos Ensaios de Montaigne o autor promete deslindar a forma de falar latim como um bébé nascido em Roma: desilusão das desilusões. Na opinião do autor (até como forma de poupar tempo), é preciso aprender literalmente como um bébé. O francês finório tinha um perceptor que o transportava ao colo, desde a mais tenra infância, que apenas se lhe dirigia em latim. Os criados eram iniciados em algumas fórmulas latinas para o élémentaire do menino. Grande ajuda… 

Tive outra prova do que significa aprender latim na última aula. Enquanto o professor enunciava o nome do imperador Cláudio - TIBERIVS CLAVDIVS NERO, que alegadamente fora deturpado pela populaça em (corrijam-me os latinistas, pois escrevo isto de memória): TIBEBIVS (bêbado), CLADVS (manco) MERVM (vinho puro, de que pelos vistos só os bêbados gostavam).

Disse o professor que aqueles três nomes correspondiam a três imperadores numa sucessão dinástica, quando levantei a voz e disse: “Mas não havia aí um Calígula pelo meio?”. O professor fulminou-me com o olhar (a mim, o futrica), e respondeu, entre outras coisas: “Sim, havia”. E aí percebi a extrema severidade do latim.

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