O latim é uma língua para ser ensinada e aprendida com severidade. Mesmo dos textos latinos mais lúdicos e jocosos pode-se extrair uma gravidade sonora de séculos e séculos. Os diversos paradigmas, declinações e excepções apelam à memorização e à disciplina. Não há volta a dar. Mas como há sempre volta a dar, resolvi aprender latim levianamente e à socapa, numa das universidades da capital. Assim, enquanto o professor apela ao rigor e desenha esquemas, vou ventilando as palavras e apreciando aquelas frases belíssimas, com a memória de uma ou outra declinação quando a intuição mo diz. Enquanto descubro a pungência de Marcial em esquemas de palavras labirínticos, aprecio o belo torso voltado da puella alemã sentada no banco da frente, que parece o de uma princesa fugida das florestas germânicas. Imagino então as chicotadas, os raspanetes, os quartos escuros, as privações de refeição que a ignorância daquelas terminações par coeur terá infligido a milhares de homens ilustres ao longo dos séculos.
Acalentei a
esperança de o aprender sem decorar, quando num capítulo dos Ensaios de
Montaigne o autor promete deslindar a forma de falar latim como um bébé nascido
em Roma: desilusão das desilusões. Na opinião do autor (até como forma de
poupar tempo), é preciso aprender literalmente como um bébé. O francês finório
tinha um perceptor que o transportava ao colo, desde a mais tenra infância, que
apenas se lhe dirigia em latim. Os criados eram iniciados em algumas fórmulas latinas
para o élémentaire do menino. Grande
ajuda…
Tive outra
prova do que significa aprender latim na última aula. Enquanto o professor
enunciava o nome do imperador Cláudio - TIBERIVS CLAVDIVS NERO, que
alegadamente fora deturpado pela populaça em (corrijam-me os latinistas,
pois escrevo isto de memória): TIBEBIVS (bêbado), CLADVS (manco) MERVM
(vinho puro, de que pelos vistos só os bêbados gostavam).
Disse o professor que aqueles três nomes correspondiam a três imperadores
numa sucessão dinástica, quando levantei a voz e disse: “Mas não havia aí um
Calígula pelo meio?”. O professor fulminou-me com o olhar (a mim, o futrica), e
respondeu, entre outras coisas: “Sim, havia”. E aí percebi a extrema severidade
do latim.
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